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O Trabalho Final de Graduação (TFG) do Arquiteto e Urbanista Ricardo Quara Barata avançou na tentativa de levantar questionamentos sobre as formas hegemônicas ocidentais de se habitar a Terra, simbolizadas em termos como progresso e desenvolvimento, buscando justificar uma cosmovisão de um grupo específico: capitalista, colonizador e inconsequente.

Imerso na perspectiva de uma ordem social global patogênica construída sobre genocídios, ecocídio e escravidão, a inquietação com a forma em que o ser humano vem se relacionando com a natureza  do desmantelamento de certo modo de viver surge concomitantemente à própria consolidação do autor como cidadão, arquiteto e ser humano, configurando-se através do constante esforço de realizar, apontar e desmistificar práticas e vícios adquiridos durante a formação.

O trabalho parte de uma inquietação, um incômodo gerado ao encontrar uma construção abandonada em meio a Mata Atlântica. Um Edifício-Esqueleto de 16 andares inacabado e perdido no coração da Floresta da Tijuca no bairro de São Conrado. A não finalização da obra faz com que seja possível enxergar o osso da estrutura, que permanece a sete décadas sofrendo com o processo de degradação, marcado pela corrosão e  rachaduras na estrutura. É possível notar nos andares superiores vestígios de revestimentos cerâmicos, assim como plantas e musgos, mas o que chama atenção são os entulhos e goteiras e os inúmeros buracos na alvenaria e lajes, apontando o comprometimento da estrutura. 

O que um volume de concreto com 125 metros de comprimento e 56 de altura está fazendo em meio a Floresta da Tijuca? Como ele pode ter surgido e o que sua própria existência nos diz sobre as escolhas que vêm sendo tomadas no mundo contemporâneo?

Esses e outros questionamentos impulsionam o trabalho, que ao mesmo tempo discute a respeito da responsabilidade do ofício da profissão do arquiteto e urbanista em alimentar. Qual legado está sendo construído? Qual nos é ensinado a construir? Essas e outras questões abordam os paradoxos encontrados em dicotomias como teoria e prática, sujeito e objeto, natureza e cultura, construção e ambiente. O trabalho levanta questões que convidam à desestabilização de pressupostos estabelecidos e nos fazem pensar, revisar e transformar os caminhos que desejamos seguir, tanto como profissionais, quanto sociedade em geral. Em última instância, o projeto a seguir surge como um convite para habitar o edifício, sentir sua presença e a da floresta, conviver, criar memórias, compreender sua escala, sua história e, por fim, diluí-lo. Quem sabe consigamos aprender a ser menos.

O Floresta Cidade traz um resumo dos questionamentos e assuntos que são abordados no trabalho, para aqueles que tiverem mais interesse e quiserem acessar o caderno inteiro, disponibilizamos o caderno final ao final da página. 

Devir Floresta: Um Esqueleto à Deriva

Arquiteto: Ricardo Quara Barata

Orientadora: Iazana Guizzo 

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo 

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Ano: 2022

O vertiginoso desenvolvimento exploratório da nossa espécie é justificado não só pela apropriação de técnicas que possibilitam a manipulação dos recursos naturais, mas principalmente pela necessidade humana de se distinguir do resto da vida terrestre. Será que a nossa sociedade capitalista, predatória e que ainda vive regida pelo neocolonialismo deve se conceder o direito de alterar quaisquer paisagens da forma que lhe for melhor entendido? Nossa espécie parece ter chegado em um consenso geral de que sim. Podemos. E assim está sendo, pelo menos.

Desde 1970 atingimos o esgotamento dos recursos do planeta (hoje consumimos o equivalente a 1,7 Terras por ano - dados do Global Footprint Network (GFN)), ainda assim, descartamos diariamente ⅓ de toda comida produzida no mundo, enquanto a fome e miséria (pelo menos em terras brasileiras) só cresce. Houve queda de mais de 60% de toda vida selvagem nos últimos 70 anos, assim como a redução considerável dos portes dos animais. Além disso, o acréscimo médio de 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais (Relatório Planeta vivo de 2020, lançado pela ONG WWF e ZSL) já coloca vários ecossistemas em risco.

Não obstante, o trabalho é redigido enquanto o Brasil queima. Incendios criminosos que abrem caminhos para plantações de monoculturas em áreas de preservação ambiental se alastram de norte a sul, o STF julga a tese do Marco Temporal, crianças yanomamis sofrem de desnutrição crônica e mais de 600 barcos de garimpo ilegal sobem o Rio Madeira atrás de ouro, enquanto milhares de quilometros quadrados são desmatados em tempo recorde, ameaçando não só os povos originários como a preservação do planeta como um todo.

Levando em consideração o aumento sem precedentes de desastres ecológicos, seria a modernidade uma espécie de névoa de informações e costumes que paira pelas grandes cidades em busca de manter a alienação dos próprios habitantes? Qual seria a razão para não assimilarmos os dados e as notícias cada vez mais alarmantes dessa crise global?

A modernidade histórica “assinala uma ruptura na passagem do tempo e assinala um combate no qual há vencedores e vencidos”, formando uma dicotomia falsa entre o mundo social e o mundo natural, em que o segundo é compreendido como fonte inesgotável de recursos que deem sustentação ao desenvolvimento (1994, p.15). Ocorre assim um afastamento inevitável do ser humano com a natureza, processo acelerado consideravelmente a partir do século passado, quando houve a troca do meio rural pela dinâmica frenética das grandes cidades.

A negação aos alertas que o planeta vem indicando, faz-se cada vez mais latente. Para além da dicotomia que o discurso moderno estabelece, uma série de autores sugerem a constatação de uma outra: a contraposição do entendimento de que terra, alma, corpo e espírito constituem uma unidade originária. Por outro lado, existem os interesses individuais de uma classe social específica, uma pequena elite global. Sobre esta, as recentes viagens espaciais de Jeff Bezos e Elon Musk parecem refletir um processo de fuga no planeta, fruto da crença de que o que garantirá um futuro promissor para a humanidade é o investimento bilionário no espaço.

Como corrobora o ativista, ambientalista, escritor e líder indigena Ailton Krenak, em seu segundo livro A Vida Não é Útil, “Temos que parar de nos desenvolver e começar a nos envolver”. Nesse mesmo livro, também critica a ideia de que o caminho é o progresso: essa ideia prospectiva de que estamos indo para algum lugar. Krenak destaca a ganância das pessoas de continuar consumindo e produzindo acúmulos em cima da escassez de outros grupos e territórios. A sub-humanidade, como defende o autor, representa todos os grupos minoritários que podem ser considerados descartáveis pelo sistema, isto é, cidadãos incapazes de gozar seus direitos de forma plena, sem que fossem perseguidos, escravizados, expulsos ou ignorados pelo estado e corporações.

Nesse contexto de indiferença com o próximo, o que representa a existência de um edifício-hotel enorme de concreto armado no Parque Nacional da Tijuca (hoje uma unidade de conservação e proteção integral da natureza)?

A lógica de usar a floresta como apenas um terreno para implementar negócios e assim lucrar se assemelha, no âmbito de intenções, às queimadas de ecossistemas inteiros para instalar grandes monoculturas. Logo, não seria o edifício a materialização da empatia dos envolvidos em relação ao contexto imediato, no caso à floresta (e todos que nela habitam)? Em ambos os casos, a desconexão espiritual soa como justificativa para a inversão de prioridades baseada no desrespeito com o outro.

Diante do contexto de miséria e escassez, produtos do sistema econômico instaurado - fruto da industrialização dependente dos modelos dos países centrais, qual o papel da arquitetura na manutenção dessa desigualdade? Há milênios a arquitetura se mostra ferramenta crucial para concretizar a imposição do poder; se pensarmos na função das fortalezas, castelos, torres, palácios, muralhas e outros, todas essas estruturas têm em comum a característica da escala, que gera desconforto pela sua monumentalidade e grandiosidade, fazendo-nos sentir minúsculos diante delas. Não há, portanto, relação entre o corpo do indivíduo e a construção.

É possível traçar um paralelo direto com o edifício-esqueleto, visto que é duas vezes mais alto do que as copas das árvores que o cercam, parecendo ter sido projetado de cima (descolado do chão). Como é possível, então, pensar em uma arquitetura que dialoga melhor com os seres (humanos e não humanos) e que se posicione em prol do interesse de todos, sem buscar a exclusão?

Para começar a trabalhar essas questões foi necessário exercer o desapego, desapego de crenças já consolidadas e muitas vezes do próprio processo da pesquisa - que ora ganhava outro rumo- desapego da estrutura e do saber. Abrir mão de respostas dadas foi a chave para se permitir a livre criação de perguntas, sem que necessariamente houvesse respostas positivas. Logo, elas se multiplicaram e houve o esclarecimento de que a metodologia talvez fosse justamente a produção de indagações a métodos conhecidos.

O prosseguimento do trabalho foi se moldando juntamente pelas questões que se abrem, dentro delas, as principais: O que fazer com o edifício-esqueleto? E, para além do projeto, que estratégias poderiam ser adotadas para dar destaque a um objeto que, mesmo imenso e destacado da paisagem há setenta anos, continua ignorado por todos?

Para buscar respostas para essas questões, o trabalho se divide em três atos fundamentais, cada um narrando um momento específico da minha aproximação com o objeto de estudo. Assim, o avanço da pesquisa é retratado pelo nível de afastamento dado no capítulo: o primeiro é o recorte do objeto, a intenção e a indagação inicial de me debruçar sobre ele. O segundo, conta a história do edifício a partir de uma perspectiva mais próxima, apresentando-o junto com a pesquisa histórica. A terceira parte, produzida em um caderno, trata da narrativa baseada na minha visita ao local de dentro, que inclui o projeto em si. 

O objetivo nestas páginas é questionar a perspectiva falida de progresso, materializada no hotel nunca inaugurado construído na década de 1950 no Rio de Janeiro. Para isso, será necessário desvendar como e quais relações se estabelecem entre os diferentes corpos presentes no local e, consequentemente, gerar reflexões críticas, ora poéticas, a respeito da relação do homem com o mundo (e todos os outros seres). 

Em última instância, o projeto a seguir surge como um convite para habitar o edifício, sentir sua presença e a da floresta, conviver, criar memórias, compreender sua escala, sua história e, por fim, diluí-lo. Quem sabe consigamos aprender a ser menos.

 

DE LONGE

A cidade cresceu em meio à acidentes geográficos, logo, as imposições naturais e a expansão urbana geram ocupações do território que podem se mostrar atípicas, com encontros não usuais marcados tanto pelo contraste quanto pela mescla de agentes diversos. Foi em uma das trilhas cariocas, mais precisamente quando decidi subir a Pedra Bonita, que notei uma dessas situações inusitadas. 

Após uma pesquisa inicial, descobri que se tratava de uma estrutura modular, suas dimensões são de 125 metros de comprimento por 12 de largura, ou seja, um de seus sentidos é 10 vezes maior que o outro, contando com um eixo de 3 pilares que se repete a cada 6 metros. Conta também com 3 torres de circulação, localizadas na fachada noroeste, na parte de trás, e também possui 32 mil metros quadrados de área construída. Localizado em uma encosta, foi necessário planificar o terreno, criando um platô de 14 metros de comprimento.

A estrutura do Gávea Tourist Hotel (GTH) foi projetada por Décio da Silva Pacheco e foi erguida pela construtora Califórnia Investimentos em 1953, com o intuito de oferecer um hotel de referência internacional. 

O edifício possui 16 andares, sendo os 3 primeiros com o pé direito mais generoso e os outros 13 são pavimentos tipo, totalizando 56 metros de altura, 36 metros a mais do que a média de altura da massa arbórea.

Aquele primeiro impacto visto lá debaixo do quiosque, há mais de 1500 metros de distância, se potencializa de forma assustadora quando de perto. Mais adiante na Estrada das Canoas, pude ver o corpo de concreto subir duas vezes mais alto do que qualquer árvore ao redor: ele se destaca com seus mais de trinta metros expostos à luz do dia. Seu tamanho gera uma estranheza sólida que me arrepia. Não consigo conceber a imagem de Décio Pacheco vendo seu projeto construído no mar verde e julgando-o natural, há uma forte desconexão.

A figura da massa de concreto armado parece viciada em se replicar em direção ao céu, onde as lajes buscam vencer as árvores. É um personagem estrangeiro que gera angústia pela intensidade de sua natureza extremamente contrastante com o seu entorno, que  carrega toda a densidade e força de um ecossistema típico da Mata Atlântica. 

Desse modo, se aprofundar no embate gerado pela presença do empilhamento vertical da estrutura é uma tarefa complexa, pois o objeto é afetado pelo contexto tanto quanto o contexto é afetado pelo objeto. Assim, ao longo da pesquisa precisei ensaiar essa escala em outros territórios, comparar a estranheza que sentia ao ver esse aglomerado de concreto solto na mata.

E se ele estivesse em outro lugar?

 

O território aqui tratado possui uma bagagem histórica marcada pelo crescimento desenfreado e sem planejamento da capital carioca há séculos, seja baseada na expansão de monoculturas ou na especulação imobiliária. Assim, qual melhor exemplo para levantar o debate de uma expansão não sustentável marcada pela especulação se não um hotel de referência internacional construído no meio de uma floresta e que, por isso, nunca abriu suas portas?

Parece ter havido o objetivo de atribuir o papel protagonista ao edifício desde o início, onde a floresta “inanimada” não  seria reconhecida. Assim, esta poderia ser alterada da forma mais conveniente, inclusive apagada. A partir da análise da divulgação do projeto, é possível reconhecermos a possibilidade do edifício ter sido desenvolvido em uma esfera paralela à da realidade, um plano outro que escapa da vivência do local e dos seres existentes. As ilustrações publicitárias beiram o fantástico, as representações parecem idealizar um devaneio mágico, que se mostrou tão ficcional quanto trágico.

A racionalidade do esqueleto de São Conrado se torna muito nítida ao realizarmos o modelo adotado: a replicação de pavimentos tipo e a própria modulação na fachada frontal são estratégias projetuais fundamentalmente modernas. As particularidades desse sítio aparentam intensificar, mas não parecem ser responsáveis pela falta de conciliação. 

Assim, por meio de quais estratégias é estabelecido o diálogo entre o corpo de concreto e a proteção verde? Ora, o esqueleto de São Conrado adota a suavização da forma pelo uso de pilotis no térreo livre e vazio, ou seja, há na estratégia- um dos cinco pontos da Nova Arquitetura de Le Corbusier- um alto grau de leveza no contato do corpo com o solo. Assim, suas fundações passariam despercebidas entre as árvores diante o apelo estritamente funcional, mas o edifício se ergue imponente.

Passadas décadas após a construção do objeto, a carga simbólica de desenvolvimento que o GTH carregava se mostrou uma miragem, a materialização das fundações cravadas no Morro se afundaram em destroços, entulhos e, por que não, na crença de que ele ainda poderia ser habitado formalmente por nós, humanos.

 

A água que flui no rio é a mesma água dos consideráveis montantes de recursos e energia movidos para a execução do edifício?

 

Será que a quantidade de matéria prima pode ser considerada recurso necessário para fomentar as protagonistas do futuro, as cidades?

Quais são as consequências de ignorarmos os efeitos colaterais de uma cosmovisão que seguimos fielmente, embalados em contos de ordem e progresso? Ora, se tomássemos a atitude de agir: o que fazer com o edifício, se descartarmos a reinauguração do hotel ou sua implosão súbita? Como proceder para impactar o menos possível os seres que vivem ali?

Não encontro outra forma de proceder que não a ampliação da lente nesse território. Ver os detalhes dessa conjuntura, adentrar esse grupo de elementos e seres estrategicamente presentes naquele específico lugar.

Estreitar as relações entre o homem, seu entorno e os fluxos de vida ali existentes e, assim, manter a manutenção da biodiversidade, pode ser lida como etapa crucial de garantia de um futuro próspero, mantendo a linha tênue que interliga todos os ciclos e os mantém em funcionamento. Não obstante, é necessário aceitar a situação entrópica do endereço e oferecer perspectivas que favoreçam o engendramento de novas significações e modos de ser.

A ciência e a sintonia com a realidade na qual nos encontramos é crucial para que possamos criar as condições ideais para refazer conexões improváveis entre espécies, utilizando do bom senso para aflorar a sensibilidade crítica capaz de manejar qualidades, explorando vantagens únicas de cada ser em prol do bem comum. Pôr em prática ações experimentais de justiça em detrimento da negação usual da história do lugar e de seus habitantes, com resultados potencialmente criativos e não previsíveis, é debruçar-se no “the matter of care” (2006, p.36): “Seguir com o problema requer regenerar parentescos improváveis: nos necessitamos reciprocamente em colaborações e combinações inesperadas” (DONNA, 2006). 

 

DE PERTO

Este capítulo é um convite para um salto e um mergulho por São Conrado, de modo a atravessar duas aproximações. Esta primeira é aérea, como em um dos voos de asa delta ou parapente que já fazem parte da rotina local a fim de contemplar o contexto geográfico em menor escala, enquanto se plana no ar.

O bairro se situa entre o mar e o Morro do Cochrane, Morro Dois Irmãos e todo conjunto rochoso formado pela Pedra da Gávea, Pedra Bonita e pela Agulhinha da Gávea. Por isso, o bairro engloba diversas nascentes. Integrante da Macrorregião Oceânica hidrográfica do Rio (uma das três que atendem a cidade), a sub-bacia de São Conrado conta com três rios: o Canal de São Conrado, que se inicia na Rocinha, o Rio Pires, com a nascente na Pedra Bonita, e o Rio Canoas. Este último é o de maior extensão, com 1,9 quilômetros e com origem na Serra da Carioca, ele acompanha a Estrada das Canoas, inclusive atravessando o edifício aqui tratado. Essa área é localizada nos limites das florestas do Parque Nacional da Tijuca, contendo então uma das maiores florestas urbanas do mundo. O território morfológico faz parte do Maciços Costeiros e Interiores, e, ainda segundo o PEU, “a floresta hoje existente que recobre o maciço é uma floresta secundária que regulariza a questão da hidrologia, marcada por uma alta suscetibilidade a deslizamentos em casos de grande volume de chuvas nas encostas.”

Esse respiro de Mata Atlântica exerce sua grandeza perante a cidade, a ponto de quem por ali passa pode não fazer ideia que ela não é uma mata virgem. Inclusive, é consideravelmente jovem: foi apenas há 160 anos, em razão da restauração ecológica da mata primária pelo processo de reflorestamento, que Dom Pedro II declarou as Florestas da Tijuca e das Paineiras como florestas protetoras.

A Estrada das Canoas é uma via de mão dupla, que se dá mais como uma rota alternativa do que tráfego principal de quem passa pelo bairro de São Conrado. O Esqueleto se localiza na encosta do Morro do Cochrane (680 metros), mais precisamente 300 metros acima do nível do mar, próximo da trilha da Pedra Bonita e da rampa de salto livre. Ali no alto da Estrada das Canoas, a construção permanece mais precisamente ao lado do Mirante das Canoas, no viaduto da Serpentina. O caminho da rua foi aberto na mesma época do edifício, quando a estrada de terra sinuosa entre os grandes morros deu acesso ao bairro Alto da Boa Vista, em 1949.

A narrativa da experiência do meu primeiro encontro com o objeto se mostrou a chave para o desgarramento das formas rígidas de se analisar e, consequentemente, de se projetar. Mais do que isso, confesso que só assim parei de perder o equilíbrio, pois parei de olhar de cima e pus meus pés no chão, de encontro com a própria existência.

Estar submetido às circunstâncias locais foi necessário para a formulação da minha própria perspectiva, visto que é a partir da vivência do corpo no espaço, da percepção dos cheiros, temperaturas, sons e movimentos que somos capazes de moldar nossas impressões de tudo que acontece ao redor.

 

DE DENTRO

Por que o sentido de habitar do homem moderno não dá espaço para os seres da floresta, não só como sobreviventes mas como agentes integrantes?

Meu pensamento visita todas as outras temporalidades em que aquele território poderia ter sido ouvido, onde talvez o homem não teria ignorado a essência daquele lugar, primordialmente. 

E se a floresta retomasse o espaço que o esqueleto invadiu?

Apresento uma realidade na qual esse território seria tocado por intervenções distribuídas em um circuito, com ambiências específicas que promovam o reencontro entre os corpos presentes com a natureza

As intervenções se apresentam em cinco cenários temporais distintos. Isto porque elas avançam de acordo com a diluição das lajes de concreto, isto é, proporcional com o acúmulo de entulho gerado. O respeito do tempo obedece a disponibilidade material, não só do entulho, ela se configura também na espera das colheitas dos bambus ali plantados.

 

É estabelecido um circuito que permite a entrada no edifício tanto pelo caminho atual,  por debaixo, como também por uma nova entrada acessível em um ponto mais alto na estrada das canoas. Esse circuito se dá através de intervenções que surgem a partir do desmantelamento do edifício, isto é, a partir do acúmulo desse entulho. Essa sobra, esse lixo é ressignificado, realocado em rampas, acessos e platôs, como também em uma piscina, e uma quadra poliesportiva.

 

Aqui finalizamos a rápida caminhada pelo Devir Floresta: Um Esqueleto a Deriva, um breve resumo para fomentar as discussões que são levantadas durante o processo do projeto. Para mais conteúdo, processo e informações, disponibilizamos um caderno para ser baixado a seguir, lembrando que o material gráfico (imagens da visitação, produção textual e montagens) encontrado no mesmo é de autoria do Arquiteto e Urbanista Ricardo Quara Barata, caso usado, inserir o devido crédito.

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